O deputado preso e a verdinha de um real: Liberdade de expressão sob ataque

O deputado preso e a verdinha de um real: Liberdade de expressão sob ataque

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As colunas publicadas na Cannalize não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem o propósito de estimular o debate sobre cannabis no Brasil e no mundo e de refletir sobre diversos pontos de vista sobre o tema.​

Defender a legalização da maconha por todos os meios e de todas as formas não é proibido, defender a tortura sim.

A liberdade de expressão é um dos direitos mais caros que a humanidade possui. Sem a liberdade de expressão a máxima – “penso, logo existo!” –  não se confirmaria.

Atualmente a discussão da liberdade de expressão ganhou os noticiários com a prisão de um Deputado Federal que, no mal uso desse direito, foi preso por ordem do STF.

E não por defender a legalização da maconha, mas sim por pregar o retorno da ditadura e a violência contra opositores políticos. A questão a ser respondida é: seria a liberdade de expressão um direito absoluto, sem limites? Eis o debate!

O tema da liberdade de expressão como direito de defender a legalização da maconha sempre foi abordado na militância canábica.

No entanto, apesar de para alguns ser um tema aparentemente superado desde o julgamento do Supremo Tribunal Federal na ADPF 187 (Ação de Descumprimento de Preceito Fundamental que julgou a Constitucionalidade das Marchas da Maconha em 2011), vira e mexe o assunto volta aos noticiários sob os velhos argumentos de que defender a legalização é crime de apologia.

Confirmando esta realidade, recentemente observamos inúmeras tentativas de censura a temas relacionados à Maconha. Um desses ataques ocorreu contra a cantora Ludmilla, na época do lançamento do hit “Verdinha”, que fez sucesso no Carnaval de 2020.

Por cantar “eu fiz um pé, lá no meu quintal, tô vendendo o grama da verdinha a um real” a cantora vem sofrendo desde então inúmeros ataques pessoais e sendo denunciada por deputados de extrema direita por supostamente praticar crime de apologia enquanto, na verdade, tem sido vítima de crimes contra sua honra.

Outro ataque que movimentou grupos de ativistas mais “enGanjados” foi a censura ao personagem Boldinho, criado pelo artista Daniel Paiva, que retrata um usuário de maconha de forma cômica.

Por simplesmente usar sua liberdade artística para criar uma paródia, Daniel foi notificado pela equipe do escritor Mauricio de Souza para que parasse de divulgar as estórias do Boldinho sob a justificativa de desvirtuamento da imagem do seu personagem Cebolinha.

E aqui vale dizer: paródia não é plágio, mas quando tem maconha no meio qualquer argumento pode ser utilizado como ataque, por mais absurdo que seja.

Fato semelhante e que ganhou as manchetes de alguns jornais na última semana foi a polêmica da nota de 420 reais, produzida pela empresa Chronic. A nota ganhou os noticiários por estampar um bicho preguiça e pequenas folhas de maconha numa linda construção artística digna Banco Central.

Muitos foram os ataques da imprensa à obra de arte, tendo sido noticiada a ocorrência de crime de falsificação de notas de dinheiro. Mas pensemos bem: não existe nota de 420 reais verdadeira. Logo, não existe nota falsa.

Faltando argumentos para continuar o ataque, partiu-se para o maior trunfo argumentativo contra o maconheiro: apologia, que mais uma vez digo, não existe.

Diante desses fatos, vale a pena relembrar e transcrever um pequeno trecho do voto do então Ministro Celso de Mello ao analisar a ADPF 187 que garantiu a realização das Marchas da Maconha em todo país, quando assim o Ministro se manifestou, citando doutrina:

Isto porque, defender a descriminalização de certas condutas previstas em lei como crime, não é fazer apologia de fato criminoso ou de autor de crime. Igualmente, não configura o crime deste art. 287 a conduta daquele que usa camiseta com a estampa da folha da maconha, por ser inócua a caracterizar o crime e por estar abrangida na garantia constitucional da liberdade de manifestação do pensamento.”

Tal julgamento do Supremo reconheceu e garantiu a todos os ativistas do Brasil o direito de liberdade de expressão e de reunião para lutar por uma política de drogas diferente.

Certo é que sem esse direito a própria noção de dignidade humana fica comprometida e a noção de democracia se perde por completo.

Isto porque a liberdade de expressão é a garantia de que as minorias poderão criticar a maioria, que poderão realizar oposição a grupos dominantes, que poderão propor novas soluções para velhos problemas.

Neste sentido de reconhecimento da máxima da liberdade de expressão, é que nenhuma das condutas acima narradas deveriam ser censuradas: é expressão de liberdade cantar a verdinha, criar e curtir o Boldinho e tirar onda com uma obra artística de 420 reais no bolso.

É importante lembrar que o exercício da liberdade de expressão encontra limites éticos e constitucionais. Não se pode negar que propagandas de ódio, discriminação e intolerância afrontam os limites da garantia constitucional da liberdade de expressão.

Por outro lado, debater de forma democrática, no campo das ideias, mudanças na legislação – seja ela qual for e em que sentido for – não é problema!

Por isso nunca foi tão necessário reafirmar que a liberdade de expressão é um bem comum disponível a todos e que serve de instrumento contra o autoritarismo.

Há quem esteja fazendo uso de uma suposta liberdade de expressão para pregar o fim das liberdades individuais e do próprio direito de livremente se expressar.

Vivemos um tempo difícil. É notório que estamos passando por um momento de duplo ataque à liberdade de expressão: às vezes por parte da censura, que pretende calar ativistas e artistas que contrariam uma moral ditada por uma maioria conservadora extremista, outras vezes por parte do abuso ilegal do direito de manifestar discursos de ódio, violência e perseguição.

Tal fato se torna ainda mais grave quando tais ataques são realizados por agentes públicos que, no ato de posse, juraram proteger a Constituição.

E aqui exemplifico. Há uma grande distinção entre defender a legalização da maconha e a defesa do ato institucional conhecido como AI 5.

A diferença é simples: a liberdade de expressão na defesa da legalização da maconha está amparada pelo sentimento de participação política democrática, já a defesa do ato institucional número 5 visa acabar com o próprio direito de participação política de opositores e minorias.

Por isso, mais que importante, é fundamental a defesa da liberdade de expressão como máxima garantia das minorias se expressarem livremente e dentro dos limites democráticos, pois a finalidade dessa garantia reside na manutenção da própria Democracia.

Desta forma, é justo dizer que merecem respeito e proteção os ativistas da legalização da Maconha de todo o país enquanto fazem jus a total repúdio os filhotes da Ditadura.

Que com estes tenhamos nenhuma tolerância, mas ainda assim que lhes sejam garantido o devido processo legal na persecução dos crimes de ódio que cometem.

Isto porque, ao contrário destes, entendo que Direitos Humanos servem inclusive para “humanos não direitos”. Esta é sociedade livre que defendo: cantar a verdinha a um real, pode; bradar ódio e preconceito, não!

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